sábado, 2 de abril de 2011

Tem que Haver Alma


É cedo para dizer que tarde faz-se noite. O cenário é uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Ônibus passam, carros passam, pedestres passam. E alguns param.
Param somente os pedestres, pois só a eles é possível ver o que vem de cima.
Tal como o Zepelim do poeta, paira púrpura sobre a cidade, por cima dessa mesma avenida, em hora que se faz cedo demais para dizer que é noite aquele final de tarde, uma máquina tal como um navio voador e um som: “Há alma!”
“Há alma, há alma, há alma!”, reproduz em tons graves a tal nave, e alguns mais afoitos gritam seus insignificantes (para quem?) aleluias. “Essas explosões devem servir para lembrar que nestas bolas de carne existe alma! Existe alma, existe alma, existe alma!”
“Em que língua fala?” perguntam-se uns. “É brasileiro, não ta ouvindo?” respondem outros, mesmo que, na verdade, estejam perguntando de volta, como se a verdade do universo dependesse somente do acordo entre transeuntes. Eu estava lá. Do ônibus que descia a ladeira para aquela avenida, eu vi. Eu vi o espetáculo de cima.
Poucos prestaram atenção na palavra mais importante. Alma. E menos ainda na coisa mais importante. Explosão. Pois, dos dois, a última foi vista como se não tivesse sido anunciada. E, num segundo, a avenida, os ônibus, os carros, os pedestres parados, os pedestres andantes, o fim de tarde início de noite fruto de tantas amáveis divergências, simplesmente mudaram.
O céu ficou vermelho, o chão ficou preto, o ar ficou azul, minhas mãos ficaram com cheiro de jasmim recém-colhido, meu coração cresceu três vezes e meus olhos ficaram só saudade. Eu vi o ‘espetáculo’ de cima.
O transporte que eu estava tentou, freou, desequilibrou-se, virou e, depois de dois ou três giros em torno do próprio eixo, parou. Como se estivesse deitado, descansando uma vida de boa postura. E eu saio, só.
“Há alma, nada faria sentido se não a houvesse”, soa o balão. Muito menos isso, pensei eu, e pensei rir. E vi-me imbecil, como nunca antes. Nada aqui levava ao riso. Mas nada aqui levava à cólera. Nada levava a nada, porque não existe alma, existe humano. O plano do ideal é um plano de desamorosos. Mas isso não podia mais ser o que eu pensava, ou não haveria mais nada para mim.
Eu, um sobrevivente dos minutos que ninguém chegara a ver, pensava na alma como única escapatória. Mas escapar do quê, meu Deus? Se não fosse uma nave roxa que acabaria com a existência aqui, seria o Senhor, estou certo? E se houvesse mesmo alma, o que o Senhor teria a ver com isso? Ah, Deus, Deus. O Senhor é o menor dos meus problemas agora. Estou sentado em um ônibus caído, vendo minha ilha explodir, e penso que é a minha alma (se houver) que vai me salvar do que é certo, mas agora imediato.
Tem de haver alma, tem de haver alma, tende haver...

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