sexta-feira, 18 de julho de 2014

É chegado o tão aguardado momento
A abertura das cortinas
Corram todos e venham ver
Pois vosso artista mudo voltou a falar

Soletra as primeiras palavras dum soneto
"As ilusões peregrinas"!
Sua alegria deverá transparecer
As cicatrizes d'alma que já não há

O artista, no entanto, lê da palma de sua mão
E se já não treme os pulsos e a face,
Deve à soberana força do gargarejo do conhaque

Perpassa-lhe potência de touro na enganação
Preocupa-lhe cometer O Erro, ainda que não o fasse
À honra de sua covardia.
Ressoem os atabaques!

terça-feira, 8 de abril de 2014

Soneto de Paixão

Homens e mulheres que compensam
Própria estupidez com obediência
Mui pobres, exilados da Ciência
Orgulhosos do vazio que ostentam

Laureados por terem bocas alheias
Repetem o Absurdo qual lundú
Já viram a Deus, nunca olharam o Cu
Coniventes aos cantos das sereias

Mestres, de espírito mau ou simples
Usam a Universidade de tanga
E ao Direito, far-se-ão grande fardo

De tanto ouvirdes, quiçá cantaroles
"O Rei estava vestido no Bacanga
Péro yo nunca vi mais belo rabo."

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Como um Jesus Cristo
buscando no carinho maternal da puta
a superação do Édipo,

Encontro-me ridicularizado:
correto, posto, ereto;
para os outros, errado.

Feito o homem que
supera a Esfinge, tamanho
o seu intelecto,

Vejo-me abatido:
velho, magro, ferido;
para os outros, abastado.

E tal qual os dois
que se reconheceram na morte
meros procedimentos de um Pacto,

Escrevo-me certo por linhas tortas:
sem que  a métrica me tire o sono, ou que as linhas já
[não comporta
Para os outros, não me importa.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Tchái das cinco

“Está resolvido, estou condecorado por antecipação. Por honra, coragem e serviços prestados”, Laércio bradava pelo quarto, marchando em círculos. “Se por um acaso, trate-se de mim mesmo o comandante competente para a cessão desta comenda, resta mais que evidenciado meu merecimento de tanto! E, ademais, quem melhor que eu mesmo para conhecer a mim e aos meus trabalhos?”, concluía. 

A cerimônia ficou marcada para o outro dia, ao pôr do sol, defronte às ruínas da tola igreja dos dominados. A cidade, barulhenta em sons miúdos, guardava no pó das ruas e nas letras incompreensíveis de suas placas um passado não tão distante de tempo, mas de distância infinita no sentimento.

A Rua, agora, só conhecia o Vento, qual, convenientemente, resiste ao ataque de qualquer projétil. Os dois, graças a súbita inatividade dos antigos ocupantes, puderam passar as manhãs brincando de jogar o lixo de um canto a outro, riscar as paredes de outras areias, além dos charmosos redemoinhos de folha e flores – de sorte que, se a esta última houvesse espectador, apostaria na grandeza de sua própria existência no espaço. Pois bem, não havia.

Chegado o grande dia, Laércio apressou-se: tomou seu demorado banho na banheira partida ao meio, arrumou seu traje belicoso de gala de única manga, tomou tchái com sua linda e esquelética esposa, Madara. 

Sempre tão silenciosa, sempre tão sentada.

No caminho à praça, deu-se com a Rua e o Vento, mas não se cumprimentaram.

Chegou. Tomou o grito dos abutres por trombetas de anúncio, cuidou-se para pisar no palanque com o pé direito, sacudiu os prateados cabelos que restavam por debaixo do quepe e saudou a multidão de micróbios.

“Ótimo, aqui estamos mais uma vez”, repetiu Laércio em sua cerimônia de condecoração. Repetiu tanto, tanto e tão alto que o som das palavras não lhe faziam mais sentido, mas ao Eco não importava.

Acontece que os treze dias de discurso idêntico trouxeram ao Eco dúvida, e o repentino silêncio de Laércio não foi percebido pelo Gênio Repetidor.

Tantas vezes se repetiu, pelas curvas, a afirmação de estar, que estiveram. Todos, mais uma vez.

Todos, menos Laércio, que trocara os estertores por beijos endereçados a sua Madara, à janela.