domingo, 24 de abril de 2011

Baby Baby Babalon


Esqueci.


Lembranças de felicidade sempre têm uma contra-indicação. Mas estou recuperado do meu vício sodomense e gomorriano de olhar para trás. Ser sal é desagradável, por mais que eu seja (dizem-me desde as epigênesis da infância) o do mundo. A Bíblia não foi feita para ser entendida, diria algum dos meus professores de religião. Eu digo: se o fosse, seu nome seria O Bíblio. Mas o diria só pelo prazer real da blasfêmia.


Ainda não lembro. Chego a me esquecer o que não consigo lembrar.

“Eu não pedi pra nascer, nem ninguém oficiou a existência humana”, proferia eu. E continuava: “se tem Alguém que deveria pedir perdão para os homens é Deus”. Das blasfêmias, essa é a minha preferida. Professei-a em uma das minhas últimas aulas de religião, que tinha como professor um homem de um metro e oitenta e cinco centímetros, que se acreditava como um homem de um metro e oitenta e cinco centímetros. Inaceitável. Mas essa “blasfêmia” não o é. É? Quer dizer, omissão é crime, não é? E sobre aquela coisa de “bigger man”? De que adianta ser imagem e semelhança se a Pessoa que eu tento imitar é um Meninão?

Não adianta, não lembro o que queria escrever. Tinha tantas coisas, e se perderam.

Ter uma religião em que se acredita cegamente é como se conhecesse os segredos do universo. Não tem essa de res ligare. É muito mais pra ‘res desligare’. Eu vi, em Aparecida, pessoas que se cotovelavam pra ver uma imagem. “Mas ela é santa!”. Que seja! Pessoas deveriam respeitar as outras pessoas, no mínimo. Mas estão muito ocupadas sendo imagem e semelhança de um babaca que não dá as caras. Mil perdões, leia-se “Babaca”.


Lembranças de felicidade sempre têm uma contra-indicação. Nem sei. Prefiro ter poucas certezas que uma biblioteca de certezas em um livro só. Certeza de que eu existo; certeza de que existem lados múltiplos em situações; certeza de que estes lados podem ser divididos em certo e errado; certeza que a palavra “maniqueísmo” foi criada por quem precisava que ela existisse. Não sei se existem pessoas boas e pessoas ruins. Mas eu conheço pessoas boas, e reconheço pessoas ruins.

Se Deus existe? Não sei, não queria entrar nesse (de)mérito. Na verdade, eu queria escrever sobre outra coisa. Mas não lembro.

Minha resposta é sim, Deus existe. Chocados? Deus existe, mas não porque apareceu para mim em sonho, ou falou comigo por um poço tapado. Existe porque o universo é imenso e velho, alguma coisa como Deus existe. Mas gosto de pensar, no meu íntimo, em uma coisa maior que está presente no mundo. Leia-se bem, uma coisa maior, não Deus.
Alma, espírito, Orixá? É, tudo isso.
Afinal, de que adianta me ver como um bicho? Faz do meu cotidiano meu nicho. Não que não seja, mas se eu tenho a possibilidade de ver tudo de uma outra forma, assim o farei. Teatro, música, poesia, prosa, a tentativa de lembrar de versos que não lembrarei, tudo isso faz parte de mim.

E eu sou composto de partes. Não três, como os Tolos, mas sete vezes setenta.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Sonho Rápido.

Acordo. Estou banheiro do Santa Teresa.
É um sonho, penso. Afinal, encerrei meus estudos de ensino médio em 2008 (não faz tanto tempo, mas, pra quem só viveu vinte, três anos é muita coisa). Resolvo aproveitar do sonho, ver o que meu inconsciente guardou para mim.
Olho-me no espelho: sou o mesmo magrinho cabeludo de antes. Minhas costas curvadas, meu rosto oleoso, minhas unhas mal cortadas, minha farda mal-cheirosa. Sou eu, EU, como eu mais tive orgulho de ser-me!
Vou até minha sala, encontro todas as pessoas de antes: quem já morreu, quem já  engravidou-se, quem já tem emprego de carteira assinada, quem seguiu a vida, enfim. Mas uma pessoa se levanta: Ludmilla!
 Sempre a vi como uma espécie de entidade, de forma que toda e qualquer lembrança que eu tenha dela alcanço seu rosto em nível maior ao meu.
Um anjo com asas de demônio, que as põe à mostra.
Alguns sonhos fazem mais do que entreter uma noite de sono. Não estou pronto para falar deles, mas deste exatamente. Este sonho é um daqueles sonhos inimigos, que tentam a todo custo vencer a realidade, mesmo que tenha de morder-lhe as pernas.
Neste, que mesmo mostrando-se sonho confunde não minha mente (que revelou a ilusão) mas meus instintos, busco a cadeira que estaria sentado, antes de encontrar-me sonhando.

 Sonhar é acordar no sonho. Acordei no banheiro.

- Não és tu não, és? Perguntou Ludmilla, como quem pairasse por sobre minha cabeça.

 - Como assim não sou eu, eu sou eu! Respondi, procurando no tato a certeza de minha resposta.
- Não. Que é tu és tu, mas és tu mais velho. Tu estás mais calmo, sem pressa.

Eu lembrei como meu coração batia rápido na época da minha adolescência. Parecia que meu peito ia explodir em qualquer momento. Ele não batia mais assim, não agora, mesmo nesse corpo ossulento de sonho.  Essa mulher, que assim era quando éramos meninos, voa com suas asas de inferno e vê que o sangue me corre mais devagar, de fato.
Penso. Pensar sobre o sonho é começar a acordar.
Acaba-se simplesmente como começou: em tons de azul. Tais tons, uma cortina. Mas uma cortina que eu não sei bem quando abriu, e nem me dou conta de que já fechou.
Acordo. Meu coração tem uma triste saudade (e minhas costas doem feito a puta que pariu, preciso mandar consertar essa cama).


domingo, 10 de abril de 2011

Bodas de Prata

Quando me vi no mundo, me vi filho de meus pais. A presença deles me salvava da agonia de pensar o que significa estar vivo. Agonia esta que, naquela época, se assemelhava bastante a passar a tarde na natação ou fazer contas de dividir bem na hora do “Johnny Bravo”. Bem, era um menino bem agoniado. E agora, cresci.
Meus pais não mais me obrigam a nadar de um lado pra outro a tarde inteira. Não mais me obrigam a fazer contas que solucionam problemas inventados, não mais me proíbem de assistir a combinação de cores e vozes na televisão, com música ao fundo. Torna-se claro, hoje que minha maior agonia sempre foi a mesma: o que, de fato, significa estar vivo.
Sinto isso como uma espécie de sensibilidade de poeta. A diferença é que essa tal sensibilidade se alojou em um homem comum. Porém me engano. Não foi uma força maior que nos guia que me tornou assim. Não foi uma brisa vinda de outra galáxia. Porém as perguntas de meu pai e as verdades de minha mãe. Não vejo à toa o termo “criação”. Meus pais são os verdadeiros poetas.
É isso o que eu vejo neles. Mas foram eles que me ensinaram a ver. O hábito de olhar os meus braços, deitado no banco de trás do gol verde, e pensar o que é existir, é o que mais me lembra, hoje, que tanto o que eu sou quanto o que penso ser é obra plena de meus pais. Não há mérito para mim, porque este não é meu.
Cresci, e só consegui fazê-lo por imitar aquilo que meu irmão fazia, porque dava certo. Meus momentos de autonomia são os meus maiores erros.
Amo meu pai, amo minha mãe, amo meus irmãos, tanto o feio quanto a bonita. Mas reconheço-me, e com orgulho, como satélite da grande massa que são meus pais.
Boa noite e muito obrigado.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

ADAN

Fui chamado de “nada”. Não de forma pejorativa, mas constatativa. Ou talvez também pejorativa, mas não vem ao caso. Ao caso de que eu não sou nada, de fato.
Não um “nada” como Álvaro, que na pessoa de Fernando se reconhecia, muito menos o “nada” que figurava como TODO o esplendoroso pensamento de Sócrates. Nada, simplesmente.
Mas não me console com o olhar por tão pouco, leitor amigo, minha mágoa atravessa a injúria. Ora vejam, se para figuras (que, antes de figuras serem, seres foram) como às citadas o “nada” era o que tinham claro como coisa, para mim o “nada” me machuca.
Se “nada” pode me machucar, imagine “alguma coisa”.
Ao mesmo tempo, uma mania de grandeza sobe minhas veias e desce minhas artérias, me dando a certeza de que tudo aquilo que planejo dar-se-á como existente. Sinto, de minha parte, uma necessidade do mundo de me ter como ser de meu tempo, pois sem minha ilustre presença meu tempo não seria o que deve ser. Percebo, na dança dos ventos e das coisas que não dançam, uma conspiração para meu sucesso. Vejo, nas pessoas e eventos que me atrapalham, obstáculos que servem unicamente para fortalecer-me, ensinar-me, fazer de mim mais digno de meu nobre destino.
Ao mesmo tempo, discuto a favor da inexistência de deus, sempre que posso. E carrego, em minhas respostas, aquela que responde o “por que as coisas [da natureza] podem ser tão perfeitamente coordenadas se não foram feitas por um criador?”. A resposta é que se assim não o fosse, não existiria nada. Sendo a coordenação aquilo que sustenta a existência, e observando-a a ponto de podermos constatar: existe, então não há dúvida de que existe a tal “organização perfeita”, resguardada pela intransitividade do verbo existir.
Eu, um “nada”, detentor das respostas do universo. Eu, um “nada”, centro da existência de meu período. Para mim eu sou o universo, porque sou eu que me sinto. E por que me dói ser “nada”, quando para Sócrates o “nada” era não só o que bastava, mas era o que lhe sustentava?
Vamos então (na ilusão de que referir-me a mim mesmo no plural faz do meu objetivo algo mais inteligente) ver-me como o “nada” que sou. Mas, se não me falha a imaginação, não consigo me desligar da idéia de que, de fato, eu sou alguma coisa.
Sempre me vi como um dos gênios das mansardas dos quais a história não guardará nem o estrume. Com a diferença de eu não ser gênio, ainda que more nela. Quanto ao estrume, penso depois.
Na conclusão, quero dizer que não sou nada. O que me faz entender Tabacaria, enfim. EU NUNCA SEREI NADA. Malditos intérpretes e suas leituras de tônicas erradas! EU NÃO POSSO QUERER SER NADA! Escrever, escrever e escrever. É pouco para provar, para todos, para mim e para ninguém, que eu também sou sublime.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Poema Quase Concreto

Escreverei meus sonhos
Organizarei meu subconsciente
Estantes e estantes de pensamento.

Odores engarrafados, diálogos gravados
e escritos – para facilitar a pesquisa –, datas,
mapas e fichas mentais dos personagens captados

O preço a ser pago, então, é expor a intimidade dos meus sonhos a uma folha de papel?
Um papel que – quem sabe? – nunca pediu pra ser papel?
E se o tivesse feito, teria pedido para que servisse à arrumação cerebral?

Mas arre, se para construir a minha biblioteca de sonhos
Devo simplesmente arruinar os de uma folha
De papel, que seja!

Mas...

Mas como me sentiria tranqüilo ao transcrever
os abortos de pensamento que atropelam meu descanso?
Seria como se o sonho criasse pernas, braços e –por pior – olhos.
(e dos olhos ao sentimento, o caminho é curto)
Seriam meus sonhos meus observadores, agora.
Tornar-me-ia devaneio de meus próprios sonhos.

sábado, 2 de abril de 2011

Tem que Haver Alma


É cedo para dizer que tarde faz-se noite. O cenário é uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Ônibus passam, carros passam, pedestres passam. E alguns param.
Param somente os pedestres, pois só a eles é possível ver o que vem de cima.
Tal como o Zepelim do poeta, paira púrpura sobre a cidade, por cima dessa mesma avenida, em hora que se faz cedo demais para dizer que é noite aquele final de tarde, uma máquina tal como um navio voador e um som: “Há alma!”
“Há alma, há alma, há alma!”, reproduz em tons graves a tal nave, e alguns mais afoitos gritam seus insignificantes (para quem?) aleluias. “Essas explosões devem servir para lembrar que nestas bolas de carne existe alma! Existe alma, existe alma, existe alma!”
“Em que língua fala?” perguntam-se uns. “É brasileiro, não ta ouvindo?” respondem outros, mesmo que, na verdade, estejam perguntando de volta, como se a verdade do universo dependesse somente do acordo entre transeuntes. Eu estava lá. Do ônibus que descia a ladeira para aquela avenida, eu vi. Eu vi o espetáculo de cima.
Poucos prestaram atenção na palavra mais importante. Alma. E menos ainda na coisa mais importante. Explosão. Pois, dos dois, a última foi vista como se não tivesse sido anunciada. E, num segundo, a avenida, os ônibus, os carros, os pedestres parados, os pedestres andantes, o fim de tarde início de noite fruto de tantas amáveis divergências, simplesmente mudaram.
O céu ficou vermelho, o chão ficou preto, o ar ficou azul, minhas mãos ficaram com cheiro de jasmim recém-colhido, meu coração cresceu três vezes e meus olhos ficaram só saudade. Eu vi o ‘espetáculo’ de cima.
O transporte que eu estava tentou, freou, desequilibrou-se, virou e, depois de dois ou três giros em torno do próprio eixo, parou. Como se estivesse deitado, descansando uma vida de boa postura. E eu saio, só.
“Há alma, nada faria sentido se não a houvesse”, soa o balão. Muito menos isso, pensei eu, e pensei rir. E vi-me imbecil, como nunca antes. Nada aqui levava ao riso. Mas nada aqui levava à cólera. Nada levava a nada, porque não existe alma, existe humano. O plano do ideal é um plano de desamorosos. Mas isso não podia mais ser o que eu pensava, ou não haveria mais nada para mim.
Eu, um sobrevivente dos minutos que ninguém chegara a ver, pensava na alma como única escapatória. Mas escapar do quê, meu Deus? Se não fosse uma nave roxa que acabaria com a existência aqui, seria o Senhor, estou certo? E se houvesse mesmo alma, o que o Senhor teria a ver com isso? Ah, Deus, Deus. O Senhor é o menor dos meus problemas agora. Estou sentado em um ônibus caído, vendo minha ilha explodir, e penso que é a minha alma (se houver) que vai me salvar do que é certo, mas agora imediato.
Tem de haver alma, tem de haver alma, tende haver...