Por esses dias estava correndo pela orla marítima de
Salvador, do Rio Vermelho até o Farol da Barra. Na volta, descansando minha atenção nas pessoas, pude ver ao longe, a beira da praia, a explicação mais sincera de
trindade, que nenhum dos meus catequistas conseguiu demonstrar. Deparei-me com costas
magras, dreadlocks castanhos e a posição de lótus, que me apaixonaram os três, como um só.
As costas foram as primeiras. Puxaram meu olhar da minha
trajetória só para elas: tensas, duas, ao pé do mar. Sua postura rígida me
fez pensar no treino e na força que elas teriam. Guardavam o casco de sua dona,
sustentavam o peso de sua existência, protagonizou tantos carinhos que poderia
se imaginar parte única, principal. Depois, vieram os dreads, que de tão bem formados,
tantos, se poderiam fazer de rede, sacada e apartamento; tão castanhos que acabariam
por pensar melhor, seriam um baobá.
Mas o mais importante, o mais relevante foi a posição de
lótus. Esta não veio da genética, do condicionamento físico, da estética. Esta
veio do universo dela.
Por uns dez minutos pude ver a manifestação de outro
universo. Ela, imóvel, bem poderia desconfiar que alguém, do alto relevo donde
passam os carros, admirava-a. Mas o que se passou na minha
cabeça naquele momento fez parte do meu universo, infinitamente distante ao dela, por mais próximos que estivéssemos.
Nossas vidas, naquele momento e agora, são duas meditações
distintas.
Talvez eu esteja na busca do que ela irradiou, naquele dia. Tanta calma, tanta
frieza debaixo de um sol escaldante e acima de uma areia tórrida, que qualquer
problema que ela pudesse pensar, ali, pensaria nele e só nele. Todas as soluções, iminentes.
Talvez, a beleza daquela tenha sido culpa da naturalidade
que ela transmitia, com a justa e devida participação das costas e das tranças.
Se o que me veio primeiro foi a beleza ou a naturalidade, não
saberia dizer. Se, por mais que em lótus, pensasse ela em tudo que aconteceu e
deixou de acontecer na semana, no ano, também não poderia dizer. No entanto, o tempo que eu passei olhando pra ela, sem
dúvida, foi uma meditação: nada mais existiu em meu redor, dentro ou fora da
minha cabeça. Senti a mesma calma que se encontra quando, no ringue, o gongo
soa, e o maxilar descansa: nem a vitória nem a derrota importam, acabou.
Falho em dizer que busco a calma ou a naturalidade. Provavelmente,
o que busco é o fim das coisas, como as próprias coisas também buscam. O
natural é este movimento dialético, é a dissolvição do sólido.
Um dia escrevi um poema que dizia que eu queria organizar
meus pensamentos em estantes, a fim de facilitar a consulta posterior. Mas o
que me parece agora é que toda sorte de pensamento se resume em um pensamento
só, único. Tudo o que se pensa é uma linha, e essas linhas se embolam todas, e
quem olha de longe não entende nada.
Ao longe, os pensamentos são como costas.